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Oportunidades e Desafios do Agro na relação Brasil - Reino Unido. (Kaubói; F92)

26/05/2020 - Por augusto luís billi
Atenção: Os textos e artigos reproduzidos nesta seção são de responsabilidade dos autores. O conteúdo publicado não reflete, necessariamente, a opinião da ADEALQ.

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O Reino Unido (RU) e a União Europeia (UE) negociam os termos de seu relacionamento após o período de transição do Brexit, que se encerra em 31 de dezembro próximo, se não houver prorrogações.

Nesse período de transição, permanecem vigentes os mesmos regulamentos e as mesmas tarifas e quotas aplicadas pela UE[1]. Os mesmos controles na importação de animais, plantas e seus produtos continuam sendo aplicáveis. De igual modo, valem as listas de estabelecimentos aprovados para exportação ao RU, assim como certificados e documentos. Depois disso, esperam-se mudanças nos aspectos tarifários, de exigências alfandegárias, de certificados e regulamentos técnicos, logísticos, além de acordos comerciais com terceiros países.

Na verdade, segundo informado até aqui, os regulamentos da União Europeia poderão ser recepcionados pelo ordenamento jurídico britânico, no curto prazo, mesmo após 1º de janeiro de 2021. É com o tempo que deverão ser alterados ou substituídos, conforme os interesses do Reino Unido - país que tende a aplicar menos barreiras à importação de produtos e serviços do que a UE.

A partir de 1º de janeiro de 2021, se não houver extensão do período de transição, estará vigente o UK Global Tariff- novo regime tarifário britânico[2]. Além disso, deverão ser estabelecidas quotas específicas para o RU. Ou seja: se não há motivo para alarme, o exportador brasileiro deve acompanhar os próximos acontecimentos, no sentido de se antecipar às mudanças. Trata-se de estar bem preparado para administrar riscos e aproveitar oportunidades.

 

O RU é o 4º maior importador mundial de alimentos, alcançando valor de US$ 53 bilhões em 2018, sendo que 79% das importações são originadas da União Europeia[3]. Num cenário sem acordo entre RU e UE, o Brasil apresenta-se como parceiro ideal para o abastecimento de alimentos, dentre eles: carne bovina, suína e de aves, açúcar, soja, milho, suco de laranja, frutas, pescados, algodão e biocombustíveis. Aliás, o etanol brasileiro vem ao encontro dos planos britânicos de ampliar o uso de combustíveis limpos e renováveis. Em 2019, o comércio bilateral entre Reino Unido e Brasil foi da ordem de US$ 6,3 bilhões[4] e, segundo estimativas pode ter incremento da ordem de US$ 1 bilhão a US$ 2 bilhões, a depender da extensão e da profundidade do acordo RU-UE.

Sem acordo, o RU perderá o acesso favorável ao mercado consumidor europeu, composto por 440 milhões de habitantes. Por isso está concentrando esforços para obter um Acordo de Livre Comércio com a UE, e já sinalizou como mercados prioritários para outros Acordos de Livre Comércio grupo de países que inclui EUA, Nova Zelândia, Austrália e Japão. 

Num cenário pós-Brexit sem Acordo RU-UE, a dimensão da economia brasileira se torna ainda mais expressiva. O Brasil possui 211 milhões de habitantes[5], constituindo-se no 9º maior mercado consumidor mundial[6]. É relevante importador de produtos manufaturados e de serviços, que oferece boas oportunidades de investimento em infraestrutura e logística. No mesmo sentido, as vantagens comparativas e competitivas do agronegócio brasileiro o tornaram fornecedor confiável - seguro e de qualidade - de alimentos, energia e fibra, fazendo do País um parceiro singular para o Reino Unido.

 

O Brasil já foi o segundo maior importador de uísque escocês, enquanto a cachaça enfrenta problemas de falsificação em várias partes do mundo. Portanto, salta aos olhos a oportunidade de reconhecimento recíproco dessas Indicações Geográficas.

Em face de narrativas por vezes fora de foco, quando não distorcidas, sobre a realidade ambiental brasileira, em particular na Amazônia, temos ainda o desafio de consolidar a imagem da produção agropecuária do Brasil como atividade a todos os títulos sustentável - ambiental, social e economicamente. Essa não é uma questão menor, e é positivo que mais e mais produtores brasileiros incorporem essa preocupação.

Pois o Brexit pode ser uma oportunidade também nesse capítulo da projeção da sustentabilidade da agropecuária brasileira. Cabe-nos seguir adotando ações estratégicas que destaquem as inúmeras iniciativas inovadoras que têm modelado nossa agropecuária, a ponto de podermos dizer que é a mais sustentável do mundo. E isso, nunca será demais reiterar, graças a décadas de investimentos em conhecimento científico, processo no qual a Embrapa - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária desempenhou papel central, aliada a institutos de pesquisa e universidades.

Nesse ponto, também nossa legislação merece ser mais bem conhecida, e convém que seja divulgada - em nome, na prática, da abertura de mercados. O Código Florestal Brasileiro[7] garante a preservação do meio ambiente ao estabelecer metas obrigatórias de preservação ambiental sobre a propriedade rural, de 20%, 35% e 80%, dependendo do bioma em que se encontre. Além disso, estabelece a preservação permanente de margens dos rios, várzeas, topos de morros e outras áreas. Assim, no Brasil, só pode cultivar a terra quem preserva parte dela. Nessa direção, estudo da Embrapa[8] demonstrou que uma área equivalente a um quarto do território brasileiro está sendo preservada dentro das propriedades rurais. Outra quarta parte do território permanece intacta por força das leis que estabeleceram Unidades de Conservação Vegetal e Terras Indígenas. Ao todo, 66,3% do território brasileiro permanece com sua vegetação preservada.

Ora, é justo e necessário que os consumidores britânicos, preocupados com o meio ambiente e com as mudanças climáticas, sejam informados de que o produtor rural brasileiro é um aliado do meio ambiente. Só assim poderão direcionar a decisão de consumo no sentido de influenciar outras nações a fazerem o mesmo.

É do nosso interesse exportador divulgar também que o Brasil tem o único plano de redução da emissão de gases de efeito estufa na agricultura. O Plano ABC[9] - Agricultura de Baixa Emissão de Carbono - completou 10 anos de execução, atingindo a meta de redução de 160 milhões de toneladas de carbono-equivalente e investimentos da ordem de US$ 4,2 bi. Algo de que devemos nos orgulhar.

Olhando para o futuro, evidenciam-se ações concretas na relação bilateral para alcançarmos novos avanços em matéria de comércio, seja na forma de Acordos de Equivalência Sanitária, seja mesmo de um Acordo de Livre Comércio. O Brasil, e o Mercosul, estão abertos a essa perspectiva. Aliás, quanto a um Acordo de Livre Comércio, podemos sempre lembrar nossos parceiros britânicos de que, em certo sentido, poderão obter mais vantagens com o bloco sul-americano do que com os mercados que têm priorizado, já que as tarifas aplicadas pelo Mercosul têm maior potencial de redução.

Além disso, o Acordo de Livre Comércio aprovado entre Mercosul e UE, em fase de ratificação, poderia ser fonte inspiradora, que nos economizaria tempo, insumo ainda mais escasso diante da crise gerada pela COVID-19.

Na frente da agropecuária, como em tantas outras, temos ainda muito a construir juntos, brasileiros e britânicos. O Brexit abre oportunidades que devemos buscar entender e aproveitar. É para isso que levamos adiante, na Embaixada do Brasil em Londres, o projeto Brazil Brexit Watch[10], que está à disposição do exportador brasileiro.

 

Augusto Luís BILLI (Kaubói; F92) é Engenheiro Agrônomo com especialização em Direito Constitucional, Auditor Fiscal Federal Agropecuário do MAPA, atual Adido Agrícola na Embaixada do Brasil em Londres.

 

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