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Alvorada, Ponta Firme e Coração (Pikira; F87)

31/05/2024 - Por cesar figueiredo de mello barros
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Que eu tenho a dizer pra vocês do bom e nem tão velho Pirikito? Nascido na Belém (a padaria do seu pai Paschoal Stuchi, em frente à Santa Casa de Catanduva), jamais teve vocação pra Cristo de ninguém. Dos muitos grupos de esalqueanos que tenho a ventura de frequentar, ele estava em quase todos, poeta e pescador, irmão de alma livre, iconoclasta, adorável ranzinza (e até irascível, mas na medida certa) e que nunca aceitou rotulações e sectarismos. Inteligentíssimo, muito mais culto do que parecia, indignado beirando o sincericídio, nunca perdeu a tirada, lacônica e muitas vezes genial, creio que talvez alguns poucos colegas.


Filho (legítimo, genuíno e primogénito) da mãe Dinah, me incomoda que algumas das minhas profecias de araque estejam se confirmando, mas parece que realmente "os bons vão primeiro", talvez por não terem mais muito que aprender nessa vida, daí Deus chama pra si primeiro, vide o Tarugo. Espero muito estar errado no "daqui pra frente só vamos nos encontrar em velórios" e no "o país não corre risco de melhorar", mas.


Quando entrei na Esalq, em 84, com sua indefectível camiseta Ereções Diretas Já, a gargalhada estridente, o penteado revolto e o perfil aquilino, já era a irreverência e picardia em pessoa, inesquecível sua anticandidatura à Atlética, cuja principal promessa de campanha era derreter todos os troféus e cunhar uma medalha para cada aluno, a fim de "democratizar as glórias da Gloriosa".


Entusiasta e pioneiro do Cpap, elefantino e desajeitado aparelho para quem sofre de apnéia noturna, me prometeu o toba se eu não acordasse "alegre e saltitante" (não acordei, não uso, mas nunca cobrei). Casado com a simpática pneumologista Ivete, convictamente "fumava escondido", ao mesmo tempo doce e azedo, alegre e mal-humorado, cordato e teimoso, esse era o Pirikito.


Por ocasião do casamento do Garibaldo, em Franca em 86, recém contratado da Braskalb em Ipuã, chegou na cidade sabendo meu primeiro nome e que minha família tinha um curtume, foi parar por acaso no dos meus primos e quando cheguei de Piracicaba (com o Kibe, Natal e o João Cavalo, salvo engano) já era amigo de longa data da minha mãe. Até pouco tempo atrás, antes do recrudescimento do Alzheimer, sempre me perguntava dele e do "filho do Goldemberg", outro irmão nosso. Pois irmãos de outras mães é o que somos, os moradores da Avarandado, Pingão, Kbana, KTT e adjacências de então, há mais de 40 anos, penso que mais amalgamados ainda pela triste tragédia da Tuxa, mãe do Kusca (que nem conheci em vida, mas é outra confirmação da profecia) e sedimentados nos muitos goles, nas prosas, nos risos e alguns poucos choros. Por isso, sempre-menina Isadora, te ensinou a nos chamar de tios.


Dudu, agrônomo improvável, cedo abandonou a carreira jurídica, só um ano de São Francisco, muito menos seguiu a militar, não chegou nem a cabo no Tiro de Guerra de Piracicaba, nem mesmo seguiu na suinocultura (era estagiário do Valdomiro, outro dos bons que partiu antes do combinado, ah profeta infame) pra enfim enveredar pela civilização da laranja.


Morreu no auge da carreira, eleito Hall da Fama da dia desses, bom que o homenagearam em vida, dezenas de coroas de flores na morte, qual político com mandato, Stuchi, tão estimado e profícuo no setor, vai se tornando uma lenda da citricultura, na Embrapa/Fundecitrus, entre os esalqueanos e por todos os campos onde trabalhou e ensinou muita gente. Entre os muitos legados, fica aí por exemplo o Ponta Firme, (acho que meu primo Zé Orlando Figueiredo, o Boizão F69, velho parceiro de prosa, pesquisa e publicação, que também partiu muito cedo tinha o dedo aí) uma lima ácida do Tahiti, perorava depois de uns goles de fernet, pra gente fazer desse limão uma limonada, ou uma boa caipirinha, como ele certamente preferiria. Fica a laranja Alvorada, lançamento recente de que ele fez parte, última fruta que chupou no pé, atestada pela última foto sorridente, no último dia de vida e trabalho, quantos colegas terão essa satisfação e glória neste mundo?


Mas fica pra gente, além da saudade e da falta imensa que vai fazer, o consolo de saber que teve uma vida boa, uma família linda, fez sempre o que quis e como quis, mas seu bom coração amou demais e fraquejou logo, mas teve uma boa morte, como um poético passarinho. Ou periquito.


Seu corpo fica lá, fertilizando, mineralizando e percolando aquela  colina tranquila, mas seu espírito vai estar por aí, nas pontas firmes, nas alvoradas, nas estórias e histórias, nas nossas boas lembranças. Que o latossolo vermelho-escuro (suponho, não fiz Gênese e faltava muito em Solos 2) lhe seja leve.


Pikira F87 (Cesar Figueiredo de Mello Barros)



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